JORNAL DA SERRA DA CANTAREIRA

 

 
       




 

 

 
 

 

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Ambiente




 
Proteja uma floresta
por Rodolfo Salm

"Plante uma árvore". Quem poderia criticar este lema ecológico fundamental? Ele parece-nos tão importante que até faz parte daquela trilogia popular sobre o que uma pessoa supostamente teria que fazer para dizer que realizou algo na vida: plantar uma árvore, escrever um livro e ter um filho. Só que em tempos de explosão demográfica, aquecimento global e Internet, mais um filho e mais um livro não são exatamente fundamentais para o futuro da humanidade.
E quanto à idéia da árvore, já que temos cada vez menos delas? Eu temo que nem esta sobraria. O que, aliás, é uma pena, pois está ficando cada vez mais fácil plantar uma árvore. Já é possível fazê-lo até mesmo com um clique do 'mouse', sem sair de casa nem sujar as mãos de terra.

"The green initiative" e os pecados consumistas

Mas por que acredito que nem esta idéia da trilogia sobra? Na verdade, o problema não é com o ato de plantar em si, que continuo reputando como interessante, mas com certos desvirtuamentos que a boa intenção vem sofrendo, além de acreditar muito mais na eficácia de outras ações. Antes, porém, temos que recuar um pouco. Praticamente tudo o que fazemos está associado de alguma forma à produção de gases do efeito estufa. "Ao ligar seu carro, ouvir um CD ou acender uma lâmpada, você participa de uma cadeia poluidora que despeja no ar mais gases ligados ao aumento da temperatura média da Terra". É assim que um artigo da revista Vida Simples sobre o "The Green Initiative" resume o dilema atual. Esta organização brasileira (apesar do nome) pretende resolver parte do problema permitindo aos seus clientes pagar uma parcela de seus pecados consumistas em vida, ao oferecer serviços de "neutralização" de emissões de gases do efeito-estufa através do plantio de árvores da Mata Atlântica. A neutralização, ou "descarbonização" de qualquer atividade, seria a reabsorção de uma quantidade de carbono equivalente àquela emitida pela mesma através da fotossíntese e da fixação na matéria vegetal.

Seu primeiro projeto foi um CD lançado no ano passado durante a conferência da ONU de mudanças climáticas ocorrida em Nairóbi, no Quênia. Fizeram um inventário de todas as emissões ligadas ao álbum, desde a produção de sua matéria-prima até o consumo de energia caso fosse ouvido uma vez por semana durante dez anos. Concluíram que deveriam plantar 216 árvores para neutralizar os 5.400 Kg de dióxido de carbono que teriam sido emitidos pela sua tiragem completa. Além disso, a ONG está trabalhando na neutralização de um show da banda de pagode Jeito Moleque (117 árvores) e do funcionamento do escritório de advocacia Pinheiro Neto por cinco anos (64 mil árvores). Uma ida e volta de avião Rio – São Paulo, por exemplo, custaria uma árvore ou 7,2 Reais no site http://www.thegreeninitiative.com/.

Questionado pela Vida Simples sobre o monitoramento do projeto após a sua implementação, um dos diretores da ONG respondeu que eles farão o acompanhamento das mudas nos dois primeiros anos depois de plantadas (a fase em que elas sofreriam o maior risco de mortalidade). Depois, como são plantadas em Áreas de Proteção Permanente (como beiras de rios e lagos), cuja preservação é obrigatória por lei, as árvores seriam "monitoradas" pelo Ibama e pela Polícia Florestal. Mas se as leis ambientais, o IBAMA e a Polícia Federal fossem suficientes para preservar qualquer árvore, todas as Áreas de Preservação Permanente e as de Reserva Legal estariam preservadas, o que não é verdade nem no estado de São Paulo (como mostra justamente a própria possibilidade de se plantarem árvores em locais que não deveriam estar desmatados).

Além de sugerir que adotem um nome em português, gostaria de lembrar ao pessoal da "Iniciativa Verde" que, se o monitoramento governamental falhar, não terá havido compensação ambiental nenhuma. O que não implica que a idéia de plantar árvores da Mata Atlântica em áreas degradadas seja ruim, mas é fundamental que incluam alguma forma de monitoramento por períodos muito mais longos. Por 20 anos, digamos.

"Amazônia para sempre"

Neste sentido, merece aplausos o manifesto "Amazônia para Sempre" (http://www.amazoniaparasempre.com.br), de Christiane Torloni, Victor Fasano e Juca de Oliveira, assinado por vários outros ilustres globais, que destaca o absurdo da área de floresta desmatada na Amazônia no último ano (17 mil quilômetros quadrados), tão comemorada pelo governo como uma redução em relação ao período anterior. O documento lembra que a preservação da floresta amazônica está prevista na Constituição Federal; e clama pela "interrupção imediata do desmatamento" por lá. O manifesto é um passo importante e, aproveitando o mote, podemos ir além, sendo mais específicos, para que ele tenha um alcance efetivo na preservação da Amazônia: exigir, por exemplo, o adiamento dos projetos de infra-estrutura na região, capazes de causar danos ambientais em grande escala, como o asfaltamento das estradas BR-319 (Porto Velho-Manaus), BR-163 (Cuiabá-Santarém) e BR-230 (Lábrea-Humaitá), os projetos hidrelétricos no rios Madeira (Santo Antônio e Jirau) e Xingu (Belo Monte) e o Gasoduto Urucu-Porto Velho.

Você pode passar o dia inteiro plantando árvores pela Internet (através de sítios como www.clickarvore.com.br). O plantio terceirizado de árvores é mais prático e menos conflituoso do que se opor aos interesses de alguém que derrubou ou vai derrubar uma floresta, como aconteceu e acontece na Amazônia por ação e omissão governamental. Mas, hoje, a grande contribuição do brasileiro médio pode ir muito além disso: seria posicionar-se claramente e fazer muito barulho para evitar desde já a devastação da Amazônia nos próximos vinte anos. Isto teria um impacto muito maior na emissão total de gases do efeito estufa pelo Brasil.

Rodolfo Salm, PhD em Ciências Ambientais pela Universidade de East Anglia, é pesquisador do Museu Paraense Emílio Goeldi.

 

 

 

 


 

 

 

 

 

 
Rodolfo Salm