"Plante
uma árvore". Quem poderia criticar este
lema ecológico fundamental? Ele parece-nos
tão importante que até faz parte daquela
trilogia popular sobre o que uma pessoa supostamente
teria que fazer para dizer que realizou algo na vida:
plantar uma árvore, escrever um livro e ter
um filho. Só que em tempos de explosão
demográfica, aquecimento global e Internet,
mais um filho e mais um livro não são
exatamente fundamentais para o futuro da humanidade.
E quanto à idéia da árvore, já
que temos cada vez menos delas? Eu temo que nem esta
sobraria. O que, aliás, é uma pena,
pois está ficando cada vez mais fácil
plantar uma árvore. Já é possível
fazê-lo até mesmo com um clique do 'mouse',
sem sair de casa nem sujar as mãos de terra.
"The green initiative" e os pecados
consumistas
Mas
por que acredito que nem esta idéia da trilogia
sobra? Na verdade, o problema não é
com o ato de plantar em si, que continuo reputando
como interessante, mas com certos desvirtuamentos
que a boa intenção vem sofrendo, além
de acreditar muito mais na eficácia de outras
ações. Antes, porém, temos que
recuar um pouco. Praticamente tudo o que fazemos está
associado de alguma forma à produção
de gases do efeito estufa. "Ao ligar seu carro,
ouvir um CD ou acender uma lâmpada, você
participa de uma cadeia poluidora que despeja no ar
mais gases ligados ao aumento da temperatura média
da Terra". É assim que um artigo da revista
Vida Simples sobre o "The Green Initiative"
resume o dilema atual. Esta organização
brasileira (apesar do nome) pretende resolver parte
do problema permitindo aos seus clientes pagar uma
parcela de seus pecados consumistas em vida, ao oferecer
serviços de "neutralização"
de emissões de gases do efeito-estufa através
do plantio de árvores da Mata Atlântica.
A neutralização, ou "descarbonização"
de qualquer atividade, seria a reabsorção
de uma quantidade de carbono equivalente àquela
emitida pela mesma através da fotossíntese
e da fixação na matéria vegetal.
Seu
primeiro projeto foi um CD lançado no ano passado
durante a conferência da ONU de mudanças
climáticas ocorrida em Nairóbi, no Quênia.
Fizeram um inventário de todas as emissões
ligadas ao álbum, desde a produção
de sua matéria-prima até o consumo de
energia caso fosse ouvido uma vez por semana durante
dez anos. Concluíram que deveriam plantar 216
árvores para neutralizar os 5.400 Kg de dióxido
de carbono que teriam sido emitidos pela sua tiragem
completa. Além disso, a ONG está trabalhando
na neutralização de um show da banda
de pagode Jeito Moleque (117 árvores) e do
funcionamento do escritório de advocacia Pinheiro
Neto por cinco anos (64 mil árvores). Uma ida
e volta de avião Rio – São Paulo, por
exemplo, custaria uma árvore ou 7,2 Reais no
site http://www.thegreeninitiative.com/.
Questionado
pela Vida Simples sobre o monitoramento do projeto
após a sua implementação, um
dos diretores da ONG respondeu que eles farão
o acompanhamento das mudas nos dois primeiros anos
depois de plantadas (a fase em que elas sofreriam
o maior risco de mortalidade). Depois, como são
plantadas em Áreas de Proteção
Permanente (como beiras de rios e lagos), cuja preservação
é obrigatória por lei, as árvores
seriam "monitoradas" pelo Ibama e pela Polícia
Florestal. Mas se as leis ambientais, o IBAMA e a
Polícia Federal fossem suficientes para preservar
qualquer árvore, todas as Áreas de Preservação
Permanente e as de Reserva Legal estariam preservadas,
o que não é verdade nem no estado de
São Paulo (como mostra justamente a própria
possibilidade de se plantarem árvores em locais
que não deveriam estar desmatados).
Além
de sugerir que adotem um nome em português,
gostaria de lembrar ao pessoal da "Iniciativa
Verde" que, se o monitoramento governamental
falhar, não terá havido compensação
ambiental nenhuma. O que não implica que a
idéia de plantar árvores da Mata Atlântica
em áreas degradadas seja ruim, mas é
fundamental que incluam alguma forma de monitoramento
por períodos muito mais longos. Por 20 anos,
digamos.
"Amazônia
para sempre"
Neste
sentido, merece aplausos o manifesto "Amazônia
para Sempre" (http://www.amazoniaparasempre.com.br),
de Christiane Torloni, Victor Fasano e Juca de Oliveira,
assinado por vários outros ilustres globais,
que destaca o absurdo da área de floresta desmatada
na Amazônia no último ano (17 mil quilômetros
quadrados), tão comemorada pelo governo como
uma redução em relação
ao período anterior. O documento lembra que
a preservação da floresta amazônica
está prevista na Constituição
Federal; e clama pela "interrupção
imediata do desmatamento" por lá. O manifesto
é um passo importante e, aproveitando o mote,
podemos ir além, sendo mais específicos,
para que ele tenha um alcance efetivo na preservação
da Amazônia: exigir, por exemplo, o adiamento
dos projetos de infra-estrutura na região,
capazes de causar danos ambientais em grande escala,
como o asfaltamento das estradas BR-319 (Porto Velho-Manaus),
BR-163 (Cuiabá-Santarém) e BR-230 (Lábrea-Humaitá),
os projetos hidrelétricos no rios Madeira (Santo
Antônio e Jirau) e Xingu (Belo Monte) e o Gasoduto
Urucu-Porto Velho.
Você
pode passar o dia inteiro plantando árvores
pela Internet (através de sítios como
www.clickarvore.com.br). O plantio terceirizado de
árvores é mais prático e menos
conflituoso do que se opor aos interesses de alguém
que derrubou ou vai derrubar uma floresta, como aconteceu
e acontece na Amazônia por ação
e omissão governamental. Mas, hoje, a grande
contribuição do brasileiro médio
pode ir muito além disso: seria posicionar-se
claramente e fazer muito barulho para evitar desde
já a devastação da Amazônia
nos próximos vinte anos. Isto teria um impacto
muito maior na emissão total de gases do efeito
estufa pelo Brasil.
Rodolfo
Salm, PhD em Ciências Ambientais pela Universidade
de East Anglia, é pesquisador do Museu Paraense
Emílio Goeldi.
|