"Sinto pena dos animais no planeta Terra dominado
pelo ser humano. Deve ser muito difícil para
eles esse convívio geralmente opressivo e cruel".
Quando me atrevi com tal "disparate" diante
de um senhor que contava bravatas de como seus cães
matavam lagartos e coatis em seu quintal na Serra
da Cantareira, ganhei de imediato a sua antipatia.
Incomodei sua vaidade?
Mas você já se deu conta do modo como
o ser humano vem atuando? Desde que os primeiros seres
humanos trouxeram os animais para junto de si e os
"domesticaram", começaram os excessos.
Um
animal que sofre um processo de engorda, por exemplo,
como em geral se vê nas grandes criações
de gado, para se obter dele maior lucro, perde a força
e a agilidade. O aumento excessivo da gordura do animal
só serve para lhe causar grande dano. Outro
exemplo de situação cruel da qual pouca
gente se dá conta: as galinhas poedeiras, inocentes
e engaioladas, pensando que sempre é dia, por
causa das luzes permanentemente acesas – para que
produzam mais ovos. Além do que, têm
os dias abreviados para servir de alimento. O mesmo
acontece com as vacas leiteiras, sugadas por máquinas
além do seu ritmo natural para satisfazer a
fome e a ambição humanas. Já
os bezerros têm sua cota de leite rigidamente
controlada - pelos humanos, é claro. Recentemente
ouvi uma notícia de criadores que dão
cerveja aos bois porque a carne fica macia!...
A
domesticidade a que o homem submeteu alguns animais
selvagens, como o lobo, por exemplo – de quem os cães
se originaram -- é artificial, fazendo com
que se tornassem inteiramente dependentes para se
alimentar, já que não podem buscar seu
alimento por si próprio como faziam em seu
estado natural e selvagem. O mesmo acontece com os
gatos, cavalos, bovinos, suínos e com os pássaros.
O
ser humano dispõe dos animais -- alguns já
ganharam o qualificativo de "domésticos"
- em função do prazer de ter “um bichinho
de estimação”, e poucos se preocupam
com o verdadeiro bem estar desses seres vivos. Quando
pequenos, são separados da mãe e dos
irmãos, levados como um brinquedinho "vivo",
mas de quem se ignora o desamparo, a tristeza, o desconforto
de se ver num lugar estranho, entre seres estranhos.
Quando um filhotinho que você trouxe para casa
chora, não deve ser repreendido (não
é manhoso); precisa de afago, de um tom de
voz carinhoso e paciente, de palavras mansas. O que
ele sente é desamparo, medo, solidão.
Assim,
se você quiser adotar um animal, então
adote dois da mesma espécie; eles serão
menos infelizes. Quem traz um animal para junto de
si - do mesmo modo que quem planta flores em vasos
– torna-se responsável por eles. Pelo bem estar
deles. Este o verdadeiro sentido da frase de Saint
Exupéry, que virou moda e correu o mundo, mas
cuja essência passou a léguas de distância
de muitos pensantes: “Tu te tornas eternamente responsável
por aquele que cativas”. Cativar: manter em cativeiro.
Mesmo que sejam os muros da sua casa. Ou pior: o canil,
a gaiola.
Depois
que conheci o pensamento de Prentice Mulford, nunca
mais olhei os animais do mesmo modo e sinto intensa
compaixão por eles. Sua impotência sob
o domínio dos humanos me comove. Sua inocência
submetida aos humores de seus donos me contrai. O
que vejo é o mais profundo desrespeito a que
têm sido sujeitados.
Mulford
viveu no século XIX, mas foi um homem
além de seu tempo. E, penso, até
mesmo do nosso. Ele afirma que "a natureza
não quer que se perpetuem, em nenhum
plano de vida, as condições resultantes
da violência ou do artifício. Quanto
mais se progride na domesticidade dos animais
ou vegetais, quanto mais gerações
ficarem submetidas à criação
pelo homem, exigirão cada vez mais cuidados
e estarão cada vez mais sujeitas a toda
espécie de doenças”. De fato. |
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Veja, por exemplo, o que houve na Europa com o surgimento
da “vaca louca”: esta doença é fruto
de um comportamento perverso, pois o gado, que é
herbívoro, passou a ser alimentado com ração
produzida com carne e ossos bovinos; o ser humano
os transformou, mais do que em carnívoros,
em canibais, já que foram alimentados com restos
da própria espécie. Disso resultou o
desequilíbrio que teve como conseqüência
a vaca louca: afetou a saúde humana e provocou
a mortandade de milhares de animais inocentes. Há
um limite que a criação doméstica
ou artificial nunca pode ultrapassar, embora a maioria
dos humanos acredite que sim. Agora, como vivemos
sob a ameaça da gripe aviária, milhares
de animais "produzidos" em cativeiro estão
sendo sumariamente sacrificados. É sofrimento
demais.
Prentice Mulford Mulford escreve: "o animal hípico,
criado de modo artificial e em cativeiro, vai se tornando
cada vez mais delicado e exige também maiores
cuidados. Se um dia esses cuidados cessarem, e o animal
conseguir sobreviver a isso, em pouquíssimas
gerações retomará o seu tipo
original e primitivo, como se pode observar no coelho:
quando entregue a si próprio, em três
ou quatro gerações se revestirá
outra vez de seu pêlo escuro; é a cor
da sua espécie em estado selvagem, e quando
se tiver tornado já cinzento ou pardo será
um animal muito mais forte do que quando era branco
ou mestiço. A despeito de tudo a natureza conhece
muito melhor o que pode fazer de si mesma". Pense
também nas galinhas brancas das granjas, nos
bovinos.
"O
homem não pode nem poderá realizar nunca
verdadeiros progressos sobre o que é natural"
– afirma Prentice Mulford. "Deixemos o espírito
ao seu próprio impulso à sua própria
direção, e ele fará bem, em todo
sentido, tudo o que lhe for conveniente. Quando o
homem quer corrigir a natureza, acaba por se mutilar".
Já
é notório esse resultado.
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