JORNAL DA SERRA DA CANTAREIRA

 

 
       




 

 

 
 

 

 

Cidadania


Projeto Flamingo Ação Cidadã

texto Isabel Raposo - fotos Celso Heredia

 
Projeto Flamingo Ação Cidadã na Aldeia Guarany do Jaraguá


Em 8 de julho, crianças da Comunidade Sociedade República Guarany no bairro Jaraguá, em São Paulo, receberam quase cem sacolinhas com um kit básico para bebês e crianças de até 6 anos, contendo roupas, brinquedos e produtos de higiene. Essa doação foi resultado do Projeto Flamingo Ação Cidadã desenvolvido entre maio e junho no grupo Educacional Flamingo. Sob coordenação do Professor Marcos Rogério R. Carvalho, alunos dos campus Francisco Matarazzo e Lapa fizeram as doações e organizaram a coleta. O projeto contou com apoio da ONG Instituto de Pesquisas em Ecologia Humana - IPEH - representada na ocasião por seu presidente Dr. Bonfilio Alves.

Além da aldeia de Parelheiros, as duas aldeias guarani do Bairro do Jaraguá reúnem hoje os poucos indígenas que vivem em São Paulo. Os do bairro do Jaraguá, em particular, sob a liderança do pagé e cacique José Fernandes, estão reunidos em duas áreas pequenas onde não têm condiçoes de manter seu modo de vida natural. Mas a língua nativa e a tradição cultural ali têm sido preservadas. Moram em barracos provisórios e sobrevivem sobretudo do artesanato. Dependem, assim, do gesto cidadão de alguns, como o psicólogo Edimilson Macedo que desenvolve trabalho voluntário na aldeia.

Além das doações, está sendo pleteada uma área maior para que os indígenas tenham condições de retomar de modo integral um cotidiano que se perdeu; de preservar suas raízes e delas fazer brotar novamente a beleza de sua nação.

Nas crianças a sobrevivência da nação guarany

Em 2000, enquanto escrevia meu livro “Memórias, Momentos e Lições”, cuja proposta era uma história da Educação em São Paulo sob a ótica de um jornalista, acabei me dando conta de que a cidade de São Paulo só passaria a ter significado nessa trajetória a partir da República. Mas eu estava vindo desde pouco depois do descobrimento do Brasil, desde a chegada de Anchieta, popularmente considerado o primeiro “educador” em terras brasileiras. Teria sido o primeiro mestre-escola da Colônia. Não foi. Dois outros o antecederam: o jesuíta Vicente Rijo, ou Rodrigues, e o padre João de Azpicuelta Navarro. Em São Paulo, sim, foi o primeiro mestre-escola.
Anchieta (1534-1597) chegou ao Brasil em 1553 Oficialmente vinha para “educar” os nativos, diga-se, "converter e catequisar".; mas o que poucos sabem é que vinha muito doente, desenganado, morrer por aqui, na colônia. Só que os ares tropicais operaram um milagre, e Anchieta viveu até os 63 anos, exercendo o seu ofício durante 44. Com talento, com amor e com relativa obediência às ordens de seus superiores. Assim parti, até chegar em São Paulo.
Durante os trabalhos de pesquisa, eu quis saber o que acontecia com os índios que ainda restavam na metrópole. A pesquisa de textos me revelou riqueza de pensamento, agudo senso crítico e gestos heróicos para a preservação de sua cultura e deles próprios. Descobri que em São Paulo havia três aldeias - duas delas nas encostas do Pico do Jaraguá e uma em Parelheiros.
Mas na sede da Secretaria Estadual de Educação me foi dito que era proibido visitá-las sem pedido oficial. E o tempo era curto. Assim, por atalhos extra-oficiais acabei chegando a uma das “aldeias guarani” instaladas quase na beira do caminho para o Pico do Jaraguá. Vi favelados.
Foi enorme o meu mal estar. Em minha carta na abertura do livro quis mencionar essa impressão, mas sofri certa censura de meu editor que considerou "esta fala muito pessimista numa carta tão alto astral"... e me pediu para retirar “Vi favelados”.
Hoje, pórém, algumas coisas já mudaram, e as aldeias passaram a receber mais atenção. Ali hoje está instalado um CECI - Centro de Educação e Cultura Indígena - criado durante a administração municipal de Marta Suplicy. Uma das aldeias reúne 64 famílias e a outra 15, num total de quase trezentas pessoas. Eram orginalmente nômades, mas hoje estãso restritos às áreas demarcadas e sujeitos a um contato inevitável com o mundo não-índio. Corajosamente, buscam preservar sua cultura e identidade.

500 anos de destruição

Muita coisa aconteceu nestes 500 anos de Brasil, e todos sabemos que os verdadeiros donos desta terra foram praticamente dizimados. A Constituição de 1988 reconhece as diferentes culturas e etnias no território brasileiro e assegura o direito das sociedades indígenas a uma educação escolar diferenciada. E em 1999 foi promulgada a lei que define sobre a criação de escolas indígenas. A prática, porém, tem se revelado mais complexa e delicada do que poderia parecer, embora seja o único caminho para se tentar resgatar a dívida social que o Brasil acumulou em relação a seus habitantes originais.
Em minha pesquisa também encontrei uma carta contundente, assinada por 40 Professores e lideranças Guarani reunidos no I Encontro Nacional de Educadores Guarani, na Aldeia de Sapukaí – Angra dos Reis, em 4 de março de 2000
, que transcrevo:

CARTA ABERTA – OUTROS 500

"Nós, professores e lideranças Guarani reunidos na aldeia de Sapukaí nos dias de 28 fevereiro a 04 de abril na aldeia Guarani de Sapukaí/RJ, no I Encontro Nacional de Educadores Guarani – vindos dos estados de SC, MS, ES, SP, PR e RJ – relembrando a nossa história juntos com outros parentes, afirmamos que o nosso povo existe há milhares de anos e tem seus costumes, tradições e jeito próprio de ser. Nestes últimos 500 anos, o mundo não-índio não fez mais do que desrespeitar nosso jeito de ser, se interessando apenas por nossas riquezas, nossas matas, nossos rios. O mundo não-índio sempre nos mostrou sua pior face, sempre tentando nos domesticar com sua religião e força bruta, falando que nós não somos "civilizados", mas nos mostrando uma civilização com cara de anjo e coração de lobo. Nos dividindo para impor um outro modo de ser, através das fronteiras nacionais e a tutela do estado. Pedro Cabral e os jesuítas ainda estão vivos e a conquista continua, nas mortes de Marçal Tupã, Xicão Xucuru, Galdino Pataxó e na impunidade de seus assassinos.
Por esse motivo, nós, o povo Guarani, não comemoramos estes 500 anos de destruição que o estado brasileiro vem insistindo em festejar de forma enganosa e mentirosa, não só para os povos indígenas, mas também para as classes populares do Brasil. Durante 500 anos cortaram nossos galhos, queimaram nossos troncos, mas não conseguirão destruir nossas raízes, pois, com as lágrimas de Nanderu Tupã os galhos que foram cortados brotarão."
Assim seja.

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