Em 8 de julho, crianças da Comunidade Sociedade
República Guarany no bairro Jaraguá,
em São Paulo, receberam quase cem sacolinhas
com um kit básico para bebês e crianças
de até 6 anos, contendo roupas, brinquedos
e produtos de higiene. Essa doação foi
resultado do Projeto Flamingo Ação Cidadã
desenvolvido entre maio e junho no grupo Educacional
Flamingo. Sob coordenação do Professor
Marcos Rogério R. Carvalho, alunos dos campus
Francisco Matarazzo e Lapa fizeram as doações
e organizaram a coleta. O projeto contou com apoio
da ONG Instituto de Pesquisas em Ecologia Humana -
IPEH - representada na ocasião por seu presidente
Dr. Bonfilio Alves.
Além
da aldeia de Parelheiros, as duas aldeias guarani
do Bairro do Jaraguá reúnem hoje os
poucos indígenas que vivem em São Paulo.
Os do bairro do Jaraguá, em particular, sob
a liderança do pagé e cacique José
Fernandes, estão reunidos em duas áreas
pequenas onde não têm condiçoes
de manter seu modo de vida natural. Mas a língua
nativa e a tradição cultural ali têm
sido preservadas. Moram em barracos provisórios
e sobrevivem sobretudo do artesanato. Dependem, assim,
do gesto cidadão de alguns, como o psicólogo
Edimilson Macedo que desenvolve trabalho voluntário
na aldeia.
Além
das doações, está sendo pleteada
uma área maior para que os indígenas
tenham condições de retomar de modo
integral um cotidiano que se perdeu; de preservar
suas raízes e delas fazer brotar novamente
a beleza de sua nação.
Nas
crianças a sobrevivência da nação
guarany
Em
2000, enquanto escrevia meu livro “Memórias,
Momentos e Lições”, cuja proposta era
uma história da Educação em São
Paulo sob a ótica de um jornalista, acabei
me dando conta de que a cidade de São Paulo
só passaria a ter significado nessa trajetória
a partir da República. Mas eu estava vindo
desde pouco depois do descobrimento do Brasil, desde
a chegada de Anchieta, popularmente considerado o
primeiro “educador” em terras brasileiras. Teria sido
o primeiro mestre-escola da Colônia. Não
foi. Dois outros o antecederam: o jesuíta Vicente
Rijo, ou Rodrigues, e o padre João de Azpicuelta
Navarro. Em São Paulo, sim, foi o primeiro
mestre-escola.
Anchieta (1534-1597) chegou ao Brasil em 1553 Oficialmente
vinha para “educar” os nativos, diga-se, "converter
e catequisar".; mas o que poucos sabem é
que vinha muito doente, desenganado, morrer por aqui,
na colônia. Só que os ares tropicais
operaram um milagre, e Anchieta viveu até os
63 anos, exercendo o seu ofício durante 44.
Com talento, com amor e com relativa obediência
às ordens de seus superiores. Assim parti,
até chegar em São Paulo.
Durante os trabalhos de pesquisa, eu quis saber o
que acontecia com os índios que ainda restavam
na metrópole. A pesquisa de textos me revelou
riqueza de pensamento, agudo senso crítico
e gestos heróicos para a preservação
de sua cultura e deles próprios. Descobri que
em São Paulo havia três aldeias - duas
delas nas encostas do Pico do Jaraguá e uma
em Parelheiros.
Mas na sede da Secretaria Estadual de Educação
me foi dito que era proibido visitá-las sem
pedido oficial. E o tempo era curto. Assim, por atalhos
extra-oficiais acabei chegando a uma das “aldeias
guarani” instaladas quase na beira do caminho para
o Pico do Jaraguá. Vi favelados.
Foi enorme o meu mal estar. Em minha carta na abertura
do livro quis mencionar essa impressão, mas
sofri certa censura de meu editor que considerou "esta
fala muito pessimista numa carta tão alto astral"...
e me pediu para retirar “Vi favelados”.
Hoje,
pórém, algumas coisas já mudaram,
e as aldeias passaram a receber mais atenção.
Ali hoje está instalado um CECI - Centro de
Educação e Cultura Indígena -
criado durante a administração municipal
de Marta Suplicy. Uma das aldeias reúne 64
famílias e a outra 15, num total de quase trezentas
pessoas. Eram orginalmente nômades, mas hoje
estãso restritos às áreas demarcadas
e sujeitos a um contato inevitável com o mundo
não-índio. Corajosamente, buscam preservar
sua cultura e identidade.
500
anos de destruição
Muita coisa aconteceu nestes 500 anos de Brasil, e
todos sabemos que os verdadeiros donos desta terra
foram praticamente dizimados. A Constituição
de 1988 reconhece as diferentes culturas e etnias
no território brasileiro e assegura o direito
das sociedades indígenas a uma educação
escolar diferenciada. E em 1999 foi promulgada a lei
que define sobre a criação de escolas
indígenas. A prática, porém,
tem se revelado mais complexa e delicada do que poderia
parecer, embora seja o único caminho para se
tentar resgatar a dívida social que o Brasil
acumulou em relação a seus habitantes
originais.
Em minha pesquisa também encontrei uma carta
contundente, assinada por 40 Professores e lideranças
Guarani reunidos no I Encontro Nacional de Educadores
Guarani, na Aldeia de Sapukaí – Angra dos Reis,
em 4 de março de 2000,
que transcrevo:
CARTA
ABERTA – OUTROS 500
"Nós, professores e lideranças
Guarani reunidos na aldeia de Sapukaí nos dias
de 28 fevereiro a 04 de abril na aldeia Guarani de
Sapukaí/RJ, no I Encontro Nacional de Educadores
Guarani – vindos dos estados de SC, MS, ES, SP, PR
e RJ – relembrando a nossa história juntos
com outros parentes, afirmamos que o nosso povo existe
há milhares de anos e tem seus costumes, tradições
e jeito próprio de ser. Nestes últimos
500 anos, o mundo não-índio não
fez mais do que desrespeitar nosso jeito de ser, se
interessando apenas por nossas riquezas, nossas matas,
nossos rios. O mundo não-índio sempre
nos mostrou sua pior face, sempre tentando nos domesticar
com sua religião e força bruta, falando
que nós não somos "civilizados",
mas nos mostrando uma civilização com
cara de anjo e coração de lobo. Nos
dividindo para impor um outro modo de ser, através
das fronteiras nacionais e a tutela do estado. Pedro
Cabral e os jesuítas ainda estão vivos
e a conquista continua, nas mortes de Marçal
Tupã, Xicão Xucuru, Galdino Pataxó
e na impunidade de seus assassinos.
Por esse motivo, nós, o povo Guarani, não
comemoramos estes 500 anos de destruição
que o estado brasileiro vem insistindo em festejar
de forma enganosa e mentirosa, não só
para os povos indígenas, mas também
para as classes populares do Brasil. Durante 500 anos
cortaram nossos galhos, queimaram nossos troncos,
mas não conseguirão destruir nossas
raízes, pois, com as lágrimas de Nanderu
Tupã os galhos que foram cortados brotarão."
Assim seja.
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